Publicado originalmente em 2007 no polaco nativo da autora, Viagens, cuja tradução para inglês venceu, em 2018, o Man Booker Prize, é o 12º livro de Olga Tokarczuk, um dos maiores nomes da literatura contemporânea no seu país Natal.
“Bieguni”, seu interessante título original, refere-se a um grupo de “old believers” que rejeitam a vida sedentária e acreditam que a viagem, o movimento, são essenciais para evitar o mal e a tragédia. Sendo Olga Tokarczuk formada em psicologia, não será de estranhar a sua curiosidade por um comportamento humano tão aparentemente inverso ao que são as nossas convenções sociais.
Esta escolha reflete a filosofia na qual Tokarczuk se parece basear para o desenvolvimento da sua obra, inconformada com uma única corrente literária. O seu estilo fragmentado será, talvez, um pouco desconcertante para o leitor durante os capítulos iniciais, ganhando alguma justificação e sentido ao longo das mais de 300 páginas compostas por pequenas “viagens” ao longo do espaço e tempo, numa amálgama de formas estilísticas onde se misturam ensaios e narrativas de ficção mais ou menos longas com algumas personagens históricas em aparições esporádicas.
Estes fragmentos, parecendo inicialmente sem qualquer tipo de relação entre si, têm em comum o tema do movimento, do lar físico e espiritual – o corpo humano e uma curiosidade um pouco macabra sobre anatomia tomam um papel central em várias das narrativas – desde uma ex-amante de um monarca que tenta desesperadamente recuperar o cadáver do pai, a um homem que perde o rasto à sua mulher e filho, à irmã do compositor Chopin que tenta encontrar um local de repouso para o coração do mesmo após a sua morte. Olga Tokarczuk parece então perguntar-nos: qual o nosso próximo destino? Qual o significado de lar, corpo, e a sua importância material e espiritual?
Uma das críticas mais recorrentes e pertinentes a este Viagens é a falta de enquadramento oferecida para muitas das escolhas da autora – quer sejam os mapas que surgem de forma aparentemente aleatória entre fragmentos narrativos, quer sejam histórias sem finalização, que podem deixar o leitor com um sentimento de frustração para com a leitura. Mas, talvez, também esse seja o propósito quando se fala de viagens. Afinal, Tokarczuk não se refere a turismo e ao encontro de pontos previamente demarcados num mapa (até porque o seu livro não segue qualquer tipo de padrão literário a que a maioria dos leitores esteja habituado), mas à filosofia nómada, de deixar um local, uma história e partir para a seguinte sem a preocupação de olhar para trás.
É uma perspetiva discutível, uma vez que algumas narrativas são revisitadas e deixadas com um certo tom de finalização, enquanto outras são tão breves que nos podemos perguntar o porquê de ali se encontrarem. Algumas das secções conseguem fazer sentido individualmente, enquanto outras parecem deixar mais questões que respostas, sem acrescentarem nada de relevante ao que a autora transmite no total das partes que constituem a obra, fazendo com que esta se alongue desnecessariamente em certos pontos.
Viagens é uma incursão infinitamente interessante pela mente da autora, que irá necessitar de alguma concentração por parte do leitor para combater a sua deliberada ambiguidade. Ainda assim, acaba por ser compensatória na escrita descomplicada e envolvente de Tokarczuk, traduzindo-se num exercício de literatura bastante agradável e original, sem se tornar demasiado cansativo ou complexo, ao alcance de qualquer leitor curioso que se predisponha ao desafio.
Fonte: Maria João Soares in Comunidade Cultura e Arte
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