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Biblioteca Escolar ESJP

16
Mar21

VINTE POEMAS DE AMOR I - PABLO NERUDA

BE - ESJP

CORPO DE MULHER

Corpo de mulher, brancas colinas, coxas brancas,
assemelhas-te ao mundo no teu jeito de entrega.
O meu corpo de lavrador selvagem escava em ti
e faz saltar o filho do mais fundo da terra.

Fui só como um túnel. De mim fugiam os pássaros,
e em mim a noite forçava a sua invasão poderosa.
Para sobreviver forjei-te como uma arma,
como uma flecha no meu arco, como uma pedra na minha funda.

Mas desce a hora da vingança, e eu amo-te.
Corpo de pele, de musgo, de leite ávido e firme.
Ah os copos do peito! Ah os olhos de ausência!
Ah as rosas do púbis! Ah a tua voz lenta e triste!

Corpo de mulher minha, persistirei na tua graça.
Minha sede, minha ânsia sem limite, meu caminho indeciso!
Escuros regos onde a sede eterna continua,
e a fadiga continua, e a dor infinita.

 


NA SUA CHAMA MORTAL

Na sua chama mortal te envolve a luz.
Absorta, pálida dolente, assim postada
contra as velhas hélices do crepúsculo
que em torno de ti dá voltas.

Muda, minha amiga,
sozinha na solidão desta hora de mortes
e cheia das vidas do fogo,
herdeira pura do dia destruído.

Do sol desabam uvas no teu vestido escuro.
Da noite as grandes raízes
crescem de súbito da tua alma,
e ao exterior regressam as coisas em ti ocultas,
de modo que um povo pálido e azul
de ti recém-nascido se alimenta.

Ó grandiosa e fecunda e magnética escrava
do círculo que em negro e doirado acontece:
erguida, tenta e alcança uma criação tão viva
que morrem suas flores, e cheia é de tristeza.

 


AH VASTIDÃO DE PINHEIROS

Ah vastidão de pinheiros, rumor de ondas quebrando,
lento jogos de luzes, sino tão solitário,
crepúsculo caindo nos teus olhos, boneca,
búzio terrestre, em ti a terra canta!

Em ti os rios cantam e a alma foge-me neles
como tu desejares e para onde tu quiseres.
Marca-me o caminho no teu arco de esperança
e soltarei em delírio a minha revoada de flechas.

Em torno de mim já vejo a tua cintura de névoa
e o teu silêncio acossa as minhas horas perseguidas,
e és tu com os teus braços de pedra transparente
onde ancoram meus beijos e a húmida ânsia faz ninho.

Ah a tua voz misteriosa que o amor escurece e dobra
no entardecer ressoante e morrendo!
Assim em horas profundas sobre os campos eu vi
dobrarem-se as espigas na boca do vento.

 


É A MANHÃ CHEIA

É a manhã cheia de tempestade
no coração do verão.

Como lenços brancos de adeus viajam as nuvens
que o vento sacode com viageiras mãos.

Inumerável coração do vento
pulsando sobre o nosso silêncio apaixonado.

Zumbindo entre as árvores, orquestral e divino,
como uma língua cheia de guerras e de cantos.

Vento que leva em rápido roubo a ramaria
e desvia as flechas latentes dos pássaros.

Vento que a derruba em onda sem espuma
e substância sem peso, e fogos inclinados.

Despedaça-se e submerge o seu volume de beijos
combatido na porta do vento do verão.

 


PARA QUE TU ME OUÇAS.

Para que tu me ouças
as minhas palavras
adelgaçam-se por vezes
como o rasto das gaivotas sobre as praias.

Colar, guizo ébrio
para as tuas mãos suaves como as uvas.

E vejo-as tão longe, as minhas palavras.
Mais que minhas são tuas.
Vão trepando pela minha velha dor como a hera.

Elas trepam assim pelas paredes húmidas.
Tu é que és a culpada deste jogo sangrento.
Elas vão a fugir do meu escuro refugio.
Tu enches tudo, amada, enches tudo.

Antes de ti povoaram a solidão que ocupas,
e estão habituadas mais que tu à minha tristeza.

Agora quero que digam o que eu quero dizer-te
para que tu me ouças como quero que me ouças.

O vento da angústia ainda costuma arrastá-las.
Furacões de sonhos ainda por vezes as derrubam.
Tu escutas outras vozes na minha voz dorida.
Pranto de velhas bocas, sangue de velhas suplicas.

Ama-me, companheira. Não me abandones. Segue-me.
Segue-me, companheira, nessa onda de angústia.

Mas vão-se tingindo com o teu amor as minhas palavras.
Ocupas tudo, amada, ocupas tudo.

Vou fazendo de todas um colar infinito
para as tuas brancas mãos, suaves como as uvas.

 

in Estúdio Raposa

 

 

16
Mar21

VINTE POEMAS DE AMOR II - PABLO NERUDA

BE - ESJP

RECORDO-TE COMO ERAS...

Recordo-te como eras no outono passado.
Eras a boina cinzenta e o coração em calma.
Nos teus olhos lutavam as chamas do crepúsculo.
E as folhas caíam na água da tua alma.
Fincada nos meus braços como uma trepadeira,
as folhas recolhiam a tua voz lenta e em calma.
Fogueira de estupor onde a minha sede ardia.
Doce jacinto azul torcido sobre a minha alma.
Sinto viajar os teus olhos e é distante o outono:
boina cinzenta, voz de pássaro e coração de casa para
onde emigravam os meus profundos desejos
e caíam os meus beijos alegres como brasas.
Céu visto de um navio. Campo visto dos montes:
a lembrança é de luz, de fumo, de lago em calma!
Para lá dos teus olhos ardiam os crepúsculos.
Folhas secas de outono giravam na tua alma.

 


INCLINADO NAS TARDES...

Inclinado nas tardes lanço as minhas tristes redes
aos teus olhos oceânicos.
Ali se estira e arde na mais alta fogueira a minha solidão que esbraceja como um náufrago.
Faço rubros sinais sobre os teus olhos ausentes
que ondeiam como o mar à beira dum farol.
Somente guardas trevas, fêmea distante e minha,
do teu olhar emerge às vezes o litoral do espanto.
Inclinado nas tardes deito as minhas tristes redes
a esse mar que sacode os teus olhos oceânicos.
Os pássaros nocturnos debicam as primeiras estrelas
que cintilam como a minha alma quando te amo.
Galopa a noite na sua égua sombria
derramando espigas azuis por sobre o campo.

 


ABELHA BRANCA ZUMBES...

Abelha branca zumbes, ébria de mel, na minha
alma e enrolas-te em lentas espirais de fumo.
Eu sou o desesperado, a palavra sem ecos, aquele que perdeu tudo, e teve um dia tudo.
Última amarra, range em ti a minha ansiedade última. Na minha terra deserta és a última rosa.
Ah silenciosa!
Fecha os teus olhos profundos. Ali esvoaça a noite.
Ah desnuda o teu corpo de estátua temerosa.
Tens uns olhos profundos onde a noite adeja. Frescos braços de flor e regaço de rosa.
Parecem-se os teus seios com os caracóis brancos.
Veio dormir no teu ventre uma borboleta de sombra.
Ah silenciosa!
É esta a solidão de que tu estás ausente. Chove. O vento do mar caça errantes gaivotas.
A água anda descalça pelas ruas molhadas. Daquela árvore se queixam, como doentes, as folhas.
Abelha branca, ausente, ainda zumbes na minha alma.
Tu revives no tempo, fina e silenciosa.
Ah silenciosa!

 


ÉBRIO DE TEREBINTINA...

Ébrio de terebintina e longos beijos,
estival, o veleiro das rosas eu dirijo,
dobrado para a morte do finíssimo dia,
cimentado no sólido frenesi marinho.
Pálido e amarrado à minha água devorante
passo no azedo cheiro do clima descoberto,
vestido ainda de cinzento e sons amargos,
e uma cimeira triste de abandonada espuma.
Vou, duro de paixões, montado na minha onda única,
lunar, solar, ardente e frio, repentino,
adormecido na garganta das afortunadas
ilhas brancas e doces como nádegas frescas.
Treme na húmida noite o meu vestido de beijos
loucamente carregado de eléctricas gestões,
de modo heróico dividido em sonhos
e embriagadoras rosas exercitando-se em mim.
Contra a corrente, no meio das ondas externas,
o teu paralelo corpo aperta-se nos meus braços
como um peixe infinitamente agarrado à minha alma
rápido e lento na energia subceleste.

 


TAMBÉM ESTE CREPÚSCULO...

Também este crepúsculo nós perdemos.
Ninguém nos viu hoje à tarde de mãos dadas
enquanto a noite azul caía sobre o mundo.
Olhei da minha janela
a festa do poente nas encostas ao longe.
Às vezes como uma moeda
acendia-se um pedaço de sol nas minhas mãos.
Eu recordava-te com a alma apertada
por essa tristeza que tu me conheces.
Onde estavas então?
Entre que gente?
Dizendo que palavras?
Porque vem até mim todo o amor de repente
quando me sinto triste, e te sinto tão longe?
Caiu o livro em que sempre pegamos ao
[crepúsculo e como um cão ferido rodou a minha capa aos pés.
Sempre, sempre te afastas pela tarde
para onde o crepúsculo corre apagando estátuas.

 

in Estúdio Raposa

 

 

16
Mar21

VINTE POEMAS DE AMOR IV - PABLO NERUDA

BE - ESJP

NO MEU CÉU AO CREPÚSCULO...

No meu céu ao crepúsculo tu és como uma nuvem
e a tua cor e forma são tal e qual as quero.
Tu és minha, tu és minha, mulher de lábios doces
e vivem na tua vida os meus infinitos sonhos.
A lâmpada da minha alma ruboriza-te os pés,
o acre vinho meu é mais doce em teus lábios,
ó segadora da minha canção ao entardecer,
como te sentem minha os meus sonhos solitários!
Tu és minha, tu és minha, vou gritando na brisa
da tarde, e o vento arrasta a minha voz viúva.
Caçadora do fundo dos meus olhos, o teu roubo
estanca como a água o teu olhar nocturno.
Na rede da minha música estás presa, meu amor,
e as minhas redes de música são largas como o céu.
Nasce-me a alma à beira dos teus olhos de luto.
Nos teus olhos de luto começa o país do sonho.

 


PENSANDO, ENREDANDO SOMBRAS...

Pensando, enredando sombras nesta profunda solidão.
Também tu andas longe, ah mais longe que ninguém.
Pensando, soltando pássaros, desvanecendo imagens,
enterrando lâmpadas.
Campanário de brumas, que longe, lá no alto! Afogando lamentos, moendo esperanças sombrias,
moleiro taciturno,
de bruços te vem a noite, longe da cidade.
A tua presença é alheia, estranha a mim como uma coisa.
Penso, caminho longamente, a minha vida antes de ti.
Vida antes de ninguém, minha áspera vida.
O grito frente ao mar, por entre as pedras,
correndo livre, louco, no bafejo do mar.
A fúria triste, o grito, a solidão do mar.
Desbocado, violento, estirado para o céu.
Tu, mulher, que eras ali, que sulco, que vareta
desse leque imenso? Estavas longe como agora.
Incêndio no bosque! Arde em cruzes azuis.
Arde, arde, chameja, chispa em árvores de luz.
Despenha-se, crepita. Incêndio. Incêndio.
E a minha alma dança ferida por aparas de fogo.
Quem chama? Que silêncio povoado de ecos?
Hora da nostalgia, hora da alegria, hora da solidão,
hora minha entre todas! Ronca em que o vento passa cantando.
Tanta paixão de pranto agarrada ao meu corpo.
Sacudir de todas as raízes,
assalto de todas as ondas!
Rodava, alegre, triste, interminável, a minha alma.
Pensando, enterrando lâmpadas nesta profunda solidão.
Mas quem és tu, quem és?

 


AQUI TE AMO...

Aqui te amo.
Nos sombrios pinheiros desenreda-se o vento.
A lua fosforece sobre as águas errantes.
Andam dias iguais a perseguir-se.
Desaperta-se a névoa em dançantes figuras.
Uma gaivota de prata desprende-se do ocaso.
Às vezes uma veia. Altas, altas estrelas.
Ou a cruz negra de um barco.
Sozinho.
Ãs vezes amanheço, e até a alma está húmida.
Soa, ressoa o mar ao longe.
Este é um porto.
Aqui te amo.
Aqui te amo e em vão te oculta o horizonte.
Eu continuo a amar-te entre estas frias coisas.
Às vezes vão meus beijos nesses navios graves
que correm pelo mar aonde nunca chegam.
Já me vejo esquecido como estas velhas âncoras.
São mais tristes os cais quando fundeia a tarde.
A minha vida cansa-se inutilmente faminta.
Eu amo o que não tenho. E tu estás tão distante.
O meu tédio forceja com os lentos crepúsculos.
Mas a noite aparece e começa a cantar-me.
A lua faz girar a sua rodagem de sonho.
Olham-me com os teus olhos as estrelas maiores.
E como eu te amo, os pinheiros no vento
querem cantar o teu nome com as folhas de arame.

 


MOÇA MORENA E ÁGIL...

Moça morena e ágil, o sol que faz as frutas,
o que dilata os trigos, o que retorce as algas,
fez o teu corpo alegre, os luminosos olhos
e essa boca que tem o sorriso da água.
Um sol negro e ansioso enrola-se-te nos fios
da negra cabeleira, quando estendes os braços.
Tu brincas com o sol como se fosse um esteiro
e ele deixa-te nos olhos dois escuros remansos.
Moça morena e ágil, nada de ti me abeira.
Tudo de ti me afasta, como do meio-dia.
Tu és a delirante juventude da abelha,
a embriaguez da onda, a força que há na espiga.
Porém meu coração sombrio te procura
e eu amo o teu corpo alegre, a tua voz solta e fina.
Borboleta morena, suave e definitiva
como o trigal e o sol, como a papoila e a água.

 


POSSO ESCREVER OS VERSOS...

Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Escrever, por exemplo: «A noite está estrelada,
e tiritam, azuis, os astros lá ao longe.»
O vento da noite gira no céu e canta.
Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Eu amei-a, e por vezes ela também me amou.
Em noites como esta tive-a eu nos meus braços.
Beijei-a tantas vezes sob o céu infinito.
Ela amou-me, por vezes eu também a amava.
Como não ter amado os seus grandes olhos fixos.
Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Pensar que não a tenho. Sentir que a perdi já.
Ouvir a noite imensa, mais imensa sem ela.
E o verso cai na alma como no pasto o orvalho.
Importa lá que o meu amor não pudesse guardá-la.
A noite está estrelada e ela não está comigo.
Isso é tudo. Ao longe alguém canta. Ao longe.
A minha alma não se contenta com havê-la perdido
Como para chegá-la a mim o meu olhar procura-a.
O meu coração procura-a, e ela não está comigo.
A mesma noite que faz branquejar as mesmas árvores.
Nós dois, os de então, já não somos os mesmos.
Já não a amo, é verdade, mas tanto que eu a amei.
Esta voz buscava o vento para tocar-lhe o ouvido.
De outro. Será de outro. Como antes dos meus beijos.
A voz, o corpo claro. Os seus olhos infinitos.
Já não a amo, é verdade, mas talvez a ame ainda.
É tão curto o amor, tão longo o esquecimento.
Porque em noites como esta a tive nos meus braços,
a minha alma não se contenta com havê-la perdido.
Embora esta seja a última dor que ela me causa,
e estes sejam os últimos versos que lhe escrevo.

 

in Etúdios Raposa

 

 

 

16
Mar21

ANDANTE - ASSOCIAÇÃO ARTÍSTICA

BE - ESJP

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A Andante é uma companhia de teatro que se dedica exclusivamente à promoção da leitura. Desenvolvemos este trabalho há mais 20 anos nas bibliotecas públicas e escolares, nas creches e escolas, nas prisões e feiras do livro, nos encontros literários e de forma continuada com as comunidades.

Embora constituídos por vários elementos ( como Joaquim Coelho - músico, João Braz - actor, entre outros), o "núcleo duro" da Andante são a Cristina Paiva, actriz (na foto) e o Fernando Ladeira, sonoplasta.

Podem encontrar o seu trabalho aqui