A turma de Português Língua Estrangeira, em Sanem, já conta com o dobro de inscrições de alunos luxemburgueses para o próximo ano.
“Gostava de falar português porque tenho muitos amigos portugueses”. Esta é a principal motivação que leva Maeva, 15anos, a querer aprender a língua portuguesa. Veio da Irlanda e partilha com os seus dois irmãos a primeira fila de mesas da sala de aula da Português Língua Estrangeira em Sanem. Dedicam duas horas todas as manhãs de sábado, a aprender português. E nem o ter que acordar cedo, porque a aula começa às 8h, os demove. Duas filas atrás, a italiana Soraya, que vive no Luxemburgo desde os três anos, partilha a motivação: “Quero aprender porque na minha escola quase todos os amigos falam português e quero compreender o que dizem”.
“Eles têm contacto com os colegas na escola e penso que esta será uma das maiores motivações que os levam a aprender o português para poder integrar-se no recreio e participar nas brincadeiras”, sublinha a professora Sónia Candeias Wozniak. E o interesse não para de crescer. Para o ano já conta com o dobro das inscrições de luxemburgueses e alunos de outras nacionalidades que querem aprender a falar português, só nesta aula. “A cada ano que passa, vamos tendo cada vez mais alunos luxemburgueses”, acrescenta. Estão a estudar no nível A1 mas “já sabem ler e construir frases”, explica a professora.
“É uma língua muito interessante” diz Soraya de 10 anos. Questionada sobre o que considera mais difícil na aprendizagem do português, responde: “Para mim é falar, porque tenho algumas dificuldades, porque aprendo muitos línguas e queria compreendê-las”.
Em frente ao quadro, a professora Sónia Candeias Wozniak fala entusiasmada dos seus alunos. Veio para o Luxemburgo há 14 anos para ficar um ano letivo, porque tinha o sonho de ensinar. O objetivo era ganhar tempo de serviço, enquanto aguardava a oportunidade de concorrer em Portugal. Agora já tem cá os seus filhos e casou com um luxemburguês.
“O mais complicado para compreenderem são os verbos, mas este é um grupo muito aplicado e tem tido muitos progressos”, sublinha. No final há um prémio que todos querem receber. Uma viagem de cinco dias a Lisboa, “com a professora e sem os pais”. “No 6° ano vão ter que conseguir estar em Lisboa, sem pedir ajuda à professora. Têm que se desenvencilhar”. Para preparar esse grande momento, na sala de aula “dramatizam situações, como se estivessem em Lisboa, a pedir comida num restaurante, por exemplo.” Para financiar a viagem, organizam vários espetáculos ao longo do ano, angariando todo o lucro conseguido. Este tipo de projeto está, porém, suspenso, devido à pandemia.
Mas há um outro projeto de que a professora Sónia fala com orgulho, dirigido aos mais pequeninos que frequentam a educação pré-escolar. E há muito para fazer. “O problema é que muitos dos meninos chegam e não falam luxemburguês e é muito complicado para as professoras luxemburguesas trabalhar com eles, porque também não sabem português”, explica. Os professores de português fazem a ponte entre as duas línguas. “A nossa presença permite às crianças adquirir mais vocabulário na língua materna para que tenham competências linguísticas mais abrangentes. Trabalhamos histórias infantis e depois a professora luxemburguesa conta-as em luxemburguês e ajudamos a fazer essa passagem”, sublinha.
Para já, este projeto, desenvolvido em parceria com o Ministério da Educação do Luxemburgo, está em 11 escolas. Mas o objetivo é levá-lo a mais salas do pré-escolar.
“O professor de português, em parceria com o professor de luxemburguês, faz a transição entre as duas línguas e assim as crianças sentem que a sua língua é valorizada, sentem-se mais confiantes e conseguem mais rapidamente fazer a ponte entre as duas línguas”, explica Mónica Cabral, adjunta de Coordenação de Ensino de Português no Luxemburgo.
Lusodescentes devem começar o mais cedo possível
Mas as dificuldades crescem quando as crianças portuguesas chegam ao Luxemburgo mais tarde e se deparam com uma escola onde só se falam línguas que desconhecem. É o caso de Martim Leandro Correia, de treze anos, que estuda português há dois anos na École Fondamentale Gellé em Bonnevoie. “Tinha cinco anos quando cheguei e fui para uma zona onde havia muitos alemães, não conseguia comunicar e deixei de ter vontade de ir à escola porque estava sempre sozinho”, recorda. Mas depois aprendeu alemão e tudo mudou. Hoje é muito bom aluno a alemão e nas outras línguas. “Na escola temos que aprender francês, alemão e luxemburguês”. Gostava de ser professor de Matemática e não pensa estudar em Portugal.
Já o sonho da Inês Duarte Lourenço, 13 anos, é estudar na Universidade de Coimbra, “desde pequenina”. Começou a aprender português aos sete anos, diz “que é uma língua muito bonita e que falo todos os dias e a toda a hora”. Nasceu no Luxemburgo, mas sempre gostou muito de ir a Portugal, onde vai todos os anos, sem exceção.
Na sala de aula da École Fondamentale de Gellé há muitos outros alunos com ligação às suas raízes. Apesar da sua família vir da Serra da Estrela, Beatriz Martins dos Santos dança no rancho do Cancioneiro do Alto Minho. Começou a dançar com quatro anos e já pisou palcos em Portugal, Paris, Luxemburgo e muitos outros sítios. Com 12 anos, nasceu no Luxemburgo, mas todos os anos vai a Portugal nas férias. Já Dinis Santos não hesita em dizer que não gosta de aprender, “porque é difícil”. Está a aprender português há cinco anos “porque os meus tios querem que aprenda”.
O papel da família pode ser fundamental em motivar os alunos, pelo menos no início.
“A maioria vem porque os pais lhes dizem para vir, mas há outros alunos que escolhem estudar português por vontade própria e gostam”, afirma a professora Maria da Glória Cardoso que veio para o Luxemburgo em 2002. E deve começar-se de pequenino. “Recomendo aos pais que os inscrevam o mais cedo possível, logo no 1° ano”. Para além de aprender português, também evoluem na escola luxemburguesa. “Ainda este ano uma mãe veio dizer-me que o filho evoluiu muito na aprendizagem, desde que começou a aprender português.”
Maria da Glória Cardoso está há vinte anos no Luxemburgo. “Vim para ver o que era o ensino de português no estrangeiro, mas nunca pensei ficar tanto tempo. Depois penso que vou ficar mais um ano para acompanhar os meus alunos até ao fim, mas depois chegam outros e outros e vou-me afeiçoando e ficando.”
O seu mais recente projeto é um telejornal feito pelos alunos que está a desenvolver com outros dois professores. Por sugestão de um dos alunos foi batizado de Lucilineburgo, uma adaptação para português da antiga designação do Luxemburgo. “Estivemos a gravar as notícias feitas pelos alunos com uma câmara, depois vamos fazer uma montagem para apresentar um telejornal.”
A sua principal luta é convencer cada vez mais pais a inscreverem os seus filhos no ensino do português. A procura dos lusodescendentes diminui muito: “Em 2006 havia cerca de 150 alunos e duas professoras nesta escolae neste momento tenho pouco mais de 70 alunos”. A École Fondamentale Gellée, onde leciona a crianças portuguesas e lusodescendente nos níveis A1 e A2, fica no centro de Bonnevoie e está a ser afetada pela crise da habitação. “Temos um problema grande aqui na cidade, a habitação está caríssima e no ano passado tivemos imensos alunos a mudar de casa”, sublinha. Mas fica impressionada quando ouve os pais dizer “que os filhos não querem vir porque ficam muito cansados. Quem decide são as crianças e não devia ser assim”, adianta. “Aconselho todos os pais a inscrever os filhos no português, não são três horas por semana que vão interferir muito na sua vida”. Depois a “aprendizagem do português ajuda a aprender outras línguas”. A docente “preocupa-se com a comunidade portuguesa, porque tentamos falar com os pais e estão muito desmotivados de Portugal e da língua portuguesa. Era importante sensibilizar a comunidade portuguesa para a necessidade dos filhos aprenderam português. ”
Fonte: CONTACTO